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Sentimento paradoxal

  • Maíra Macedo
  • 20 de fev. de 2018
  • 4 min de leitura

A história de um homem que precisou superar as dificuldades do Exército para ser quem é hoje

“Muitas pessoas me alertaram sobre o acampamento, mas era difícil saber se estavam falando a verdade ou só queria me assustar. No final descobri que ninguém mentiu e tudo aconteceu como disseram”. Meu nome é Alberto Fonseca e tenho 22 anos. Atualmente estou cursando o quarto ano de Licenciatura em Física na Universidade de São Paulo. Trabalho como professor de física e matemática para o Ensino Fundamental e Médio.

Quatro anos atrás, quando eu tinha 18 anos, servi o Exército por um ano. Eu não aceitei, mas sim fui obrigado. Diferente de muitas pessoas, não tentei escapar através de outros meios. Então, resolvi dar o melhor de mim durante aquele ano, evitando assim o pior. No decorrer do meu período como soldado, eu tive um sentimento bem paradoxal em relação ao Exército: ao mesmo tempo que aprendi muito, eu também perdi muito. Da mesma forma não posso dizer que fui feliz, principalmente nos seis primeiros meses.

Essa época foi a mais difícil para mim, pois eu pegava muito serviço no quartel, trabalhando e fazendo exercícios físicos. No final do dia eu estava exausto! Consequentemente, não conseguia ir para as aulas e, quando ia, dormia de tanto cansaço. Não tinha tempo para me dedicar aos estudos e com o tempo fui praticamente largando a USP, o que resultou no atraso do meu curso. Se não fosse o ano no Exército é possível que eu estivesse quase me formando hoje. Mas, assim que os seis primeiros meses passaram, a situação melhorou, principalmente após a semana no acampamento.

Eu estava bastante ansioso para ir ao acampamento, pois era algo muito valorizado no quartel. Enquanto você não ia para lá não era respeitado. A impressão que o Exército passava era de quanto maior o sofrimento maior era o respeito. Fora isso, eu sentia bastante insegurança. Era difícil prever o que estava por vir e eu não sabia como deveria agir nessa semana. Todos esses sentimentos só passaram após esses cinco dias.

O acampamento foi bem árduo. Eu não tinha horário para comer, nem para dormir e fiquei todos os dias sem tomar banho e trocar de roupa. A todo o momento apareciam novas instruções dos sargentos e tínhamos que cumprir. Foram dias sem descanso, correndo para todos os lados e carregando 15kg nas costas - peso da mochila, fuzil e capacete. A semana foi tão puxada que eu emagreci 4kg. Mas, de tudo que sofri durante os cinco dias, teve uma situação que me marcou muito, durante a instrução HPPS (Higiene Pessoal e Primeiros Socorros).

A orientação consistia em uma série de provas que imitavam uma guerra. A função dos soldados era carregar seu canga (parceiro), supostamente ferido, de formas variadas. As situações tinham como objetivo levar o nosso corpo ao limite. Um amigo meu ficou tão exausto que precisou ser carregado. Ele não conseguia nem ficar de pé. As provas eram realmente bem pesadas, abalando não só o físico, mas também o psicológico. Eu vi muitos homens que se intitulavam “machões” chorando e pedindo para ir embora. Os oficiais da alta patente perturbavam os militares a todo momento. Por sorte, a minha cabeça não foi afetada nesta instrução. Eu era um homem neutro, então acabei passando despercebido. O problema era com os soldados chamado de “lixões”, ou seja, aqueles que estavam sempre sendo punidos. Para castigá-los, os tenentes mandavam repetir a instrução, gritando a todo o momento, o que era um desgaste físico e mental bem forte.

Apesar de todas as situações difíceis que passei no acampamento, eu consegui dar risada e me divertir, principalmente por causa de soldados chamados de “bizonho”, aqueles que sempre faziam besteira e eram repreendidos pelos tenentes. A situação mais engraçada que vivi foi quando estávamos na instrução Combate com Baioneta, no qual aprendíamos a atacar e se defender usando a faca na ponta do fuzil. Durante a orientação, Figueiredo, o tenente mais rígido da companhia, permitiu que o meu pelotão ficasse sentado e conversava com a gente enquanto outros soldados realizavam a instrução. Tal autorização era algo raro, por isso me surpreendeu tanto. Num determinado momento, o tenente perguntou ao soldado 316-Lima o que estava achando do acampamento e sua resposta foi: “Está um mel tenente”. Figueiredo ficou muito bravo com a frase e mandou meu pelotão ir em direção ao lago, exceto Lima. Nós caminhamos até a água ficar na altura do pescoço, deixando apenas a cabeça e os braços para fora, segurando o fuzil. Durante um tempo, ele mandava nós abaixarmos, deixando apenas o capacete para fora e bradarmos (falar alto) “obrigado Lima”. Apesar de engraçada, o acontecimento foi bem sofrido para mim, pois eu entrei no lago no final da tarde e o uniforme era pesado para secar rápido. Acabei ficando molhando e passando frio à noite.

No meio de tantas provas sofridas e momentos engraçados, nenhuma instrução me marcou mais do que a Pista de Corda. Nós fazíamos uma série de exercícios usando a corda, como aprender a dar nós e subir. Dentre as atividades, tinha o “pulo do jacaré”, no qual atravessávamos um lago bem nojento usando a corda e o “homem aranha”, em que o objetivo era escalar. Nada foi mais difícil para mim, durante esses cinco dias, do que essa orientação, pois tenho medo de altura e o que mais fazíamos era ficar no alto. Eu estava com muito medo, então, sempre que precisava subir ou descer, segurava os cabos bem forte. Era a única coisa que me passava segurança: minhas mãos firmes. Ao final, como superei meu medo, fui destaque nesta instrução e meu prêmio hastear a bandeira. Eu não consigo esquecer desse momento, afinal, tenho calos nas mãos até hoje por causa das cordas.

Apesar de todas as dificuldades que passei no Exército, eu cresci muito, principalmente durante o acampamento. Aquela semana me ajudou a aprender mais sobre mim e hoje conheço muito bem meus limites. E, no geral, amadureci durante o ano. Parei de reclamar de coisas mínimas e comecei a me esforçar para merecer. E o mais importante, aprendi mais sobre respeito e descobri a força da hierarquia, ou seja, quem está em cima manda e quem está por baixo obedece sem reclamar. Não sinto falta daquela época, prefiro deixá-la no passado, mas não escondo as vantagens e ensinamentos que o Exército me trouxe.

 
 
 

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Maíra Macedo - portfólio - desde 2016

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