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O portal

  • Maíra Macedo
  • 20 de fev. de 2018
  • 3 min de leitura

Encosto minha mão na lombada do bloco de papel. Pego. Seguro firme. Recorro ao auxílio de minha outra mão para segurar melhor. É retangular, maior que um palmo e tem uma grossura considerável, mas não é pesado. A sua forma se encaixa perfeitamente entre minhas mãos, como se fizesse parte delas. Os olhos correm por toda extensão do objeto, atentos a cada desenho, cor, inscrição e letra. Esta última se une a suas semelhantes, que acabam formando palavras em minha mente. Na frente, localizado no topo, observo o nome do bloco de papel. Bem grande. É o que mais chama atenção. O nome do autor também não fica apagado e tem um espaço considerável.

Minha pele está quente, ansiosa para abrir a capa e descobrir o que tem dentro. Encosto nela. O papel é mais grosso que o comum. Sua textura é paradoxal: o lado externo é bem liso e brilhoso, de aspecto plastificado; o lado interno é seco e opaco. Ponho meu indicador e polegar na extremidade pontuda. Seguro e levo em direção à esquerda. Um portal se abre. O interior é todo branco. Não tem mais nada além de várias letras negras. A tinta preta é a única cor presente nas folhas claras. É um contraste bem forte. Num primeiro momento, este visual desperta emoções contraditórias. Branco e preto são opostos tanto na tonalidade quanto nos sentimentos causados. No entanto, eles se completam tão bem que as páginas são harmoniosas e convidativas.

Essas letras impressas, quando juntas, formam palavras, frases, orações e por fim uma história. A composição parece simples. Não tem nada de extraordinário em montar um livro, basta folhas e tinta. Porém, existe muito mais por trás. No momento que meus olhos visualizam a primeira palavra, no canto superior da página, um novo mundo se abre. Começo a unir esta palavra a outra, e a muitas outras. Quando vejo, li toda a folha e já estou virando para ler atrás. Uma história ganha forma na minha mente e me transporta para um mundo completamente diferente. É impressionante o poder que as palavras têm quando se encontram. Juntas são capazes de criar um universo fantástico isolado da realidade, de forma que eu consigo ser qualquer pessoa e ir para qualquer lugar. Num momento posso estar ao lado do grande cavaleiro andante Dom Quixote e seu escudeiro Sancho Pança, fazendo parte das suas aventuras pela Espanha. Ou então posso ser levada a séculos atrás e acompanhar a longa e difícil volta de Odisseu para Ítaca.

Após 300, 500 ou até 1000 páginas o livro chega ao fim. Foram vários dias lendo, conhecendo os personagens e adentrando na história profundamente. Porém, nada é eterno. Quando inicio a leitura, tenho consciência de que o livro irá acabar em algum momento, mas nunca me acostumo com isso. Chegar na última página e ler a última palavra é um pesar. No entanto, em meu íntimo, estou feliz por ter concluído mais um ciclo e adicionado mais uma trama em minha mente. Seguro com a ponta dos meus dedos a capa de trás. Levo a em direção à esquerda. O livro se fecha. O portal se fecha. Observo o texto impresso na capa pela última vez, mas não há mais nada para se ler. Seguro o livro pela lombada e o devolvo à prateleira.

 
 
 

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Maíra Macedo - portfólio - desde 2016

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