Jogador, militar, quase historiador. Mas acabou ensinando Física
- Maíra Macedo
- 5 de fev. de 2018
- 7 min de leitura
Perfil
A história de um homem que passou por diversas reviravoltas na vida, mas o amor pela educação superou qualquer outra escolha
Foi recusando a proposta de um coronel que o filho de Valéria Fonseca iniciou sua vida no mundo da educação. Quando Alberto estava no quartel, ele recebeu uma proposta do Coronel para trabalhar como seu auxiliar na Academia Militar das Agulhas Negras. Porém, para aceitar, teria que desistir da faculdade e se mudar para o Rio de Janeiro. “No começo, acredito que ele pensou em aceitar e largar tudo, mas quando saiu a última lista da Fuvest em janeiro de 2014 tudo mudou”, disse a mãe. Naquele momento, ele decidiu que não seguiria carreira militar para cursar Licenciatura em Física.
No entanto, essa não foi a única reviravolta que Alberto passou na vida. Todas foram bem radicais e aconteceram num curto período de tempo. Começando do princípio. O sonho era ser jogador de futebol. Durante boa parte da sua infância e adolescência investiu nessa ideia jogando partidas nos finais de semana e treinando no clube poliesportivo da Portuguesa. Mas, conforme o garoto crescia e passava a ter consciência maior dos seus gostos, percebeu que o esporte não era a carreira dos sonhos.
O futebol, porém, não era a sua única possibilidade de escolha: Alberto sempre teve trejeitos de professor. “O Beto - como é chamado carinhosamente pelos amigos e familiares - é muito paciente e gosta de ensinar, então eu acreditava que ele teria sucesso lecionando, mas o que mais me chocou foi a escolha do curso”, comenta Valéria. A princípio, ele pretendia cursar história. Tanto que, ao se formar, escolheu a carreira na Fuvest. “Eu sempre me dei muito bem com a matéria história”. Não deu certo e ele foi eliminado ainda na primeira fase. O que, de certa forma, veio a calhar. “Percebi que não conseguiria me adaptar ao estilo de ensino. A carga de estudos exige a leitura de muitos livros e eu só gosto de ler o que me interessa”. Mas o que veio a seguir ninguém poderia esperar.
Curso preparatório para os vestibulares. Foi lá que sua vontade de ensinar história começou a se esvair. E surgiu um outro caminho: Física. “Meus olhos brilharam. No cursinho, a matéria é muito diferente da que aprendemos na escola, e isso despertou minha atenção”. Foi lá também que a opção por lecionar se solidificou. “Eu observava meus professores no cursinho e eles prendiam a atenção de todos, fazendo com que se interessem pelo que estava sendo ensinado. Nesse momento percebi que queria isso para minha vida”, relata Alberto.
A mudança de curso chocou sua família e amigos. Ninguém imaginava que ele trocaria de forma tão radical. Guilherme Ramos, seu amigo de longos anos, conta que na época da escola Alberto sempre foi um bom aluno, tinha facilidade com a maioria das matérias e demonstrava um gosto maior por história. No entanto, nunca manifestou interesse pelas Ciências Exatas. Foi uma surpresa para o amigo ele ter escolhido física, assim como para sua mãe e irmã. Apesar da escolha inesperada, ninguém o deixou de apoiar e o incentivaram a prestar vestibular para física.
Diferente da escolha de curso, o gosto pelo ensino veio desde novo. Valéria percebeu um pouco tarde essa paixão do filho, pois Alberto conta que sempre teve vontade de ser professor mas não comentava com a mãe. Já Guilherme descobriu logo que se conheceram no colégio, por volta da quinta série. “Eu achei legal quando soube dessa escolha, pois o Beto falava da profissão com brilhos nos olhos, como se fosse a paixão dele. Nunca citou outras carreiras para sua vida”. Valéria ficou bastante orgulhosa e feliz quando soube, acha um grande emprego ser professor, mas lamenta o baixo reconhecimento e remuneração.
Mesmo passando no vestibular em 2014, seu sonho de ensinar ainda estava um pouco longe de se concretizar. A faculdade foi colocada em segundo plano por causa do recrutamento pelo exército. Como precisou ficar um mês dentro do quartel, perdeu o início das aulas e ficou defasado em todas as matérias. Ao longo do ano, conseguia raramente ir para a USP e quando ia era difícil prestar atenção por causa do cansaço. O tempo livre era destinado a estudar, mas não era o suficiente. A consequência da falta de estudos foi a reprovação em todas as matérias.
Com a chegada do segundo ano, a busca por emprego começou a se intensificar. Assim que finalizou seu período no exército, Alberto retornou ao colégio que estudava, Thomas Treglia, em busca de indicações. Mas a sorte estava ao seu lado, pois, pouco tempo depois de entregar o currículo, a diretora da escola o chamou para trabalhar. Um professor de física havia saído de licença de paternidade e precisavam substituí-lo. Diferente da maioria, ele não foi contratado como estagiário, mas sim como funcionário, atuando como plantonista e preparando os alunos para Olimpíadas de Matemática. Esses cargos foram um treino para aumentar a confiança do futuro professor. Pouco tempo depois, suas habilidades em lecionar deram a Alberto uma chance de ensinar dentro de uma sala de aula.
“Eu estava muito nervoso no meu primeiro dia de aula. Não tinha prática nenhuma em sala e os alunos ficavam testando meus conhecimentos, fazendo perguntas que já sabiam a resposta apenas para ver se eu acertava. Um exemplo dessa situação ocorreu numa aula para o Ensino Médio. Eles pediram para resolver um exercício da Federal da Paraíba e estavam duvidando que eu conseguiria resolver, porque era bem difícil e o antigo professor não chegou na resposta. Quando terminei o exercício, a sala ficou chocada e me pediram desculpas. No entanto, eu não tinha percebido que a questão era um teste, realmente acreditava que não sabiam”, relata Alberto sobre uma das primeiras experiências em sala.
O retorno para o Thomas Treglia foi visto de forma positiva pelos familiares e amigos. Guilherme, também ex aluno, contou que tem muito orgulho de ver o amigo trabalhando onde estudou, pois sua volta está ajudando as novas gerações do colégio. A irmã, Mariana Fonseca, disse também que ficou bem feliz com o emprego do irmão, mas confessa que estranhou vê-lo trabalhando na mesma escola. A garota, hoje com 18 anos, estudou no Thomas Treglia até ano passado e teve algumas aulas com Alberto quando algum professor faltava. “As pessoas sempre me perguntavam como era ter meu irmão me dando aula. Queriam saber como ele me tratava e como agia na sala. A gente brincava algumas vezes, mas na maioria dos casos o Beto era bem profissional. Alguns colegas meus, por já conhecer ele antes, ficavam forçando uma intimidade que não existia. O Beto precisava cortar e reforçar que naquele momento era professor”. Mariana completa dizendo que a maior dúvida dos amigos era se o irmão a ajudava dando dicas ou passando as respostas das provas, mas ele nunca fez nada parecido.
Então, a vida virou rotina, mas nem por isso Alberto sossegou. Os dias ficaram mais corridos pelo fato de trabalhar integralmente. Em casa, sua mãe conta que a rotina não sofreu muita alteração, apenas ficou cansativo para o filho. Segundo Valéria, ele acorda por volta das 6h30, às vezes volta para casa entre 12h e 13h para almoçar e depois continua dando aula até umas 17h. Na parte da noite vai para a USP e chega quase meia noite. É uma semana cansativa e eles quase não se encontram. Além disso, já ocorreu dias em que dormir era um luxo. Quando tem prova, Alberto fica horas sentado na mesa da cozinha, em frente ao computador, com livros e folhas ao seu redor. É resolvendo listas de exercícios que estuda para os exames. O mesmo ocorre quando precisa preparar aula. Ele pega apostilas com questões variadas, escolhe as que condizem com o tema da aula e começa a resolver. É bastante comum ele se empolgar, pois os exercícios são fáceis e rápidos de fazer, resolvendo até mais do que precisava. Folhas e lápis são algo indispensável em sua vida, seja para estudar ou trabalhar. E é realizando tais ações que Alberto ocupou várias de suas madrugadas e fins de semana.
Hoje, dois anos depois, ele continua trabalhando no Thomas Treglia, mas também dá aulas particulares e atua em outro colégio. A desenvoltura em sala melhorou bastante e já está acostumado a lidar com os alunos. A experiência como professor começou a ser refletida dentro de casa. Mariana conta que o irmão ficou exigente com suas notas na escola, principalmente em matemática e física. Quando ela ficou de recuperação nessas matéria, Alberto não gostou e pediu que se esforçasse mais. Mas, além de insistir nos estudos, ele também a ajudava quando tinha dúvidas. Atualmente, a garota está no cursinho e os exercícios de exatas são bem mais difíceis. Por isso, sempre que vê a irmã resolvendo alguma questão oferece auxílio. Em algumas situações insiste além da conta, ou então ignora as recusas de Mariana, pega uma folha e faz o exercício. A rapidez e habilidade em desenvolver uma questão nível Ensino Médio é tanta que chega a ser uma atitude debochada de Alberto.
Guilherme acredita que a profissão mudou bastante quem o amigo é, mas de forma positiva. O fato de estar lidando com a formação de crianças e jovens o obrigou a se tornar mais responsável e amadurecer. A transformação foi tanta que influenciou na sua vida pessoal, tornando Alberto mais observador e tranquilo. Já Valéria, conta que o filho se tornou também um psicólogo. “Hoje os professores se envolvem muito na situação dos alunos. Eles precisam ser também amigos, instruindo as crianças através de diálogos. O Beto escuta várias histórias das crianças e chega até a dar conselhos à elas. A profissão dele acaba indo além do previsto”.
Alberto, por sua vez, se sente realizado com a carreira. Sossegou e teve que encarar a rotina do dia a dia, mas nada disso diminuiu o amor por lecionar. “Ser professor é uma satisfação pessoal. Eu amo aquilo que faço, independente do salário”. Além de felicidade, a profissão também trouxe bastante aprendizagem. Segundo Alberto, ele percebeu que a educação não se restringe ao mundo da sala de aula, mas envolve toda a sociedade. “É difícil ensinar um aluno que não comida em casa ou luz para fazer o dever. Essas coisas acabam influenciando no meu trabalho”. Até o momento, lidar com educação é o que deseja para a vida toda. Não sabe se estará amando o que faz daqui uns anos, mas admite que escolher ser professor em vez de militar foi a melhor decisão que teve.
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