Do crime à literatura
- Maíra Macedo
- 9 de jan. de 2017
- 3 min de leitura
Resenha
“A pequena cidade de Holcomb está situada nas altas planícies de trigo do oeste do Kansas, área desolada que os outros habitantes do Estado chamam de ‘lá longe’.” Esse trecho descreve um lugarejo com uma média de 270 habitantes, que sempre fora pacato e sem grandes acontecimentos. Porém, no final dos anos 50, o massacre da família Clutter abalou radicalmente a população desse povoado. Os quatro foram assassinados numa noite qualquer, levando um tiro cada de uma espingarda calibre 12. Esse crime passou a ter uma importância maior quando chegou ao conhecimento de Truman Capote.
Esse roteirista, dramaturgo e escritor norte-americano enxergou uma grande história por trás dos assassínios. Após seis anos de pesquisas minuciosas, deu vida ao seu grande best-seller A Sangue Frio. Ele reinventou o modo de fazer jornalismo, usando fatos reais para serem contados usando características de obras de ficção. O livro se tornou o precursor do New Journalism nos anos 60.
Capote inicia seu romance não ficcional com uma descrição detalhada de Holcomb e apresenta ao leitor os membros da família e suas vidas. Herb Clutter, o patriarca, era um fazendeiro muito estimado na comunidade. Ele fora casado com Bonnie Clutter, que sofria de "problemas psicológicos", e juntos tiveram quatro filhos, mas só os dois mais novos, Kenyon e Nancy, viviam com o casal. A narrativa dos Clutter é contada cronologicamente, mas o desenrolar do enredo é intercalado pela história de dois personagens desconhecidos. Perry Smith e Dick Hickock não tiveram uma apresentação, foram incluídos de repente numa situação em que a vida dos Clutters tinha toda a atenção do leitor. Foi uma estratégia de escrita interessante de Capote, em que ele uniu a vida dos protagonistas anteriormente aos acontecimentos, como se induzisse o leitor a se envolver com as figuras e tentar prever o momento do assassinato.
O enredo se desenvolve até chegar ao ponto crucial para o escritor no livro: o pós-homicídio. É a partir desse momento que as investigações de Truman começam e no livro que Perry e Dick têm as suas devidas apresentações, se tornando os protagonistas. Uma biografia é feita de ambos, para que cada receptor tire suas próprias conclusões sobre o caráter de cada um. Essa relevância que o autor dava para contar detalhadamente a trajetória de seus personagens humanizava até o pior dos criminosos, pois nos aproxima deles, criando uma conflitante impressão de familiaridade. Em diversos momentos, chegamos até a duvidar se os crimes foram realmente realizados por essas pessoas e questionamos se elas possuem essa má índole apresentada.
Ainda que criemos essa afinidade com as figuras, em momento algum Truman coloca parcialidade em seu relato ou tenta justificar os fatos. Ele nos apresenta a investigação sob diversos ângulos, mostrando desde órgãos oficiais até depoimentos de habitantes da cidade. Isso ajuda a construir uma versão própria da situação e poder dar opinião a respeito. Apesar do lento julgamento para o crime, o escritor se envolve cada vez mais com a sua busca e a intimidade dos criminosos e dos cidadãos locais, levando o leitor a participar dessa viagem investigativa.
Em resumo, o que atrai na obra é a forma diferenciada como ela é contada e não o suspense pelo crime ou a busca do culpado, algo que é de conhecimento público. Capote nos cativa por transformar genialmente a realidade em ficção, provando que o dia a dia pode render grandes romances, e faz isso respeitando os fatos e nunca nos induzindo a pensar como ele. Esse extraordinário trabalho construiu um impressionante documento para a literatura e o jornalismo.
Bibliografia
Titulo: A Sangue Frio (In Cold Bood)
Autor: Truman Capote
Lançamento: 1966
Local: Estados Unidos
Língua original: inglês
Tradutor brasileiro: Ivan Lessa
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